Por Marcio Pochmann
Mesmo para um país de profundos contrastes, o Brasil registra inegável marca conservadora nos seus principais processos de transição estrutural. Isso é que se pode comprovar na atual passagem para a sociedade de serviços, cujo conservadorismo se expressa tão forte como já havia se manifestado na antiga transição da longeva sociedade agrária para a breve urbana e industrial desde a década de 1930.
Após quase quatro séculos de submissão ao primitivismo do velho agrarismo, com base inicial na escravidão, latifúndio e monocultura impulsionada pelo sentido da colonização portuguesa por exploração, o Brasil ingressou no modo de produção capitalista. Mas para isso, a população não branca, que representava cerca de dois terços da população residente, foi secundarizada pela emergência da preferência dos capitalistas pela mão de obra imigrante branca.
Com isso, as especificidades da implementação da sociedade competitiva, conformada por estrutura de classes sociais e frações competitivas, somente possibilitaram tardiamente instalar a industrialização, quando as oportunidades de inclusão populacional deixaram de ser extremamente limitadas. Mas, para isso, as reformas clássicas do capitalismo contemporâneo foram bloqueadas, com o abandono das modificações na estrutura fundiária, tributária e políticas públicas de bem estar social.
Além disso, sem a necessária fusão do capital financeiro com o produtivo que, conforme observad no capitalismo avançado, é condição fundamental para conformar grandes corporações competitivas, predominou no Brasil uma sociedade urbana e industrial manca, pela enorme fraqueza do sistema financeiro nacional. Sua expansão transcorreu fundada na proteção e apoio estatais sendo, desde a ditadura civil-militar (1964-1985), sobretudo no governo Geisel (1974-1979), cada vez mais dependente da intermediação da entrada de recursos externos.
O atrelamento ao mercado financeiro internacional atribuiu papel central aos bancos, que se tornaram fundamento interno da ciranda financeira. Assim, o Brasil, sem poder completar o seu processo de industrialização tardio, ingressou precocemente na transição para a sociedade de serviços.
A ascensão das bases da financeirização da riqueza, sob o comando dos bancos desde a década de 1980, patrocinou o desfazimento do tripé que sustentava a industrialização nacional. Isto é, a combinação na economia brasileira entre os capitais estatais e privados nacional e estrangeiro, que teve elevada ênfase no governo de JK (1956-1961).
Para custear o rentismo gerado pela especulação financeira, as finanças públicas passaram a arcar com a maior responsabilidade diante do sistema de dívidas estatais cultivado pelo receituário neoliberal nos governos dos Fernandos (Collor, 1990-1992 e Cardoso, 1995-2002). Nestas condições, o tripé de sustentação da economia brasileira foi sendo desmontado, com a privatização do capital estatal e a desnacionalização do capital privado nacional.
Sem comprometimento com a industrialização nacional, os capitais estrangeiros, assim como o que foi restando do capital privado nacional, se acomodaram ao rentismo protagonizado pela economia nacional, cada vez mais assentada ao setor terciário. Pela emergência da sociedade de serviços, marcada pela precocidade das atividades e ocupações, mais dependentes da renda dos ricos do que das necessidades do setor produtivo, as reformas neoliberais de Temer atendem.
Por conta disso, o custo do trabalho no Brasil decaiu atualmente para inferior em cerca de 20% do chinês, quando era quase quatro vezes superior em 2014. Sem mudanças no capitalismo financeiro, a precocidade da sociedade subalterna dos serviços avança para se consolidar no Brasil de amanhã enraizado na prosperidade de igrejas e do crime organizado.
* Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas