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27 de Novembro de 2015 às 12:31

Contra o racismo, população negra deve tomar as ruas, conclui Brasília Debate


Crédito: SEEB/BRASÍLIA

Brasília - Na terça-feira (24), o Teatro dos Bancários recebeu mais uma edição do Brasília Debate. No mês em que se celebra a morte do maior líder negro do período colonial, Zumbi dos Palmares, a participação e resistência do povo negro na formação do país foi o tema do evento que reuniu sindicalistas, pesquisadores e integrantes do movimento negro. 

O presidente da Confederação Nacional das Associações Quilombolas (Confaq), José Antonio Ventura, deu início à conversa, apresentando a luta dos remanescentes de quilombos a partir da sua história no movimento. Vítimas da ganância de grandes empresários pelas riquezas naturais de Minas Gerais, muitos quilombolas foram expulsos de suas terras férteis, fruto do trabalho árduo no campo.

“Criamos a Confaq para organizar a luta dos quilombolas sem qualquer ligação a partidos políticos ou religião, uma vez que o movimento tem que ser autônomo, inclusive para deixar de ser massa de manobra política”, destaca Ventura.
 
De acordo com Ventura, o apoio jurídico foi fundamental para o movimento dos quilombolas para questionar o lento processo de titulação dos quilombos, que, em muitos casos, encontram-se em situações precárias por consequência do abandono do poder público. “Se, de 1988 para cá, só foram titulados 200 territórios quilombolas, imagina os 4.800 que ainda esperam pela titulação”, questiona.
 
O negro no mercado trabalho
 
Pesquisadora e doutoranda em Política Social da Universidade de Brasília (UnB), Marjorie Nogueira Chaves apresentou dados sobre a participação do negro no mundo do trabalho. A partir dessa perspectiva, a pesquisadora afirmou que é necessário fazer uma análise histórica do papel do negro da sociedade para, então, compreender os reflexos observados na atualidade. 
 
“A desigualdade racial é uma herança da experiência do escravismo, que, como vimos, persiste ainda hoje com o racismo estrutural - que promove essa diferenciação entre os grupos raciais e dificulta o acesso da população negra para determinados bens e serviços. Pautar a questão racial no mercado de trabalho é extremamente importante para se pensar políticas que possam inserir a população negra no mercado de trabalho com dignidade”, declarou a pesquisadora em entrevista à TV Bancários.

II Censo da Diversidade

No sistema financeiro, o negro tem ganhado mais espaço, apesar da baixa presença das mulheres negras. De acordo com o II Censo da Diversidade, realizado pelas entidades que representam os trabalhadores bancários e a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), houve um aumento de 19% para 24,7% de bancários e bancárias que se autodeclaram negros. Do total de bancários entrevistados, as mulheres negras representam apenas 3%. Em relação à remuneração, o salário da mulher negra é 67% menor que o do homem branco.
 
“O número reduzido de bancários e bancárias negros é o maior indicativo de que o racismo institucional está presente também no trabalho bancário. Recebemos uma denúncia recentemente de que uma gerente do Itaú afirmou não contratar pessoas negras para trabalhar no atendimento supondo que os clientes se recusariam a receber apoio desses funcionários”, contou o presidente do Sindicato, Eduardo Araújo.

Mobilidade social 

Para além da questão do emprego, o racismo dificulta a mobilidade social da população negra, dissolvendo como prática comum na sociedade o critério racial. O estereótipo, que objetifica e fetichiza as mulheres negras enquanto coloca os homens negros na mira da polícia, é potencializado pelo processo de embranquecimento que busca padronizar o povo negro conforme os traços da população branca.
 
Racismo na educação

Mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), Antonio Gomes da Costa Neto abordou o racismo contido no livro de Monteiro Lobato, Caçadas de Pedrinho, distribuído nas escolas de todo o país por meio do Programa Nacional Biblioteca da Escola (Pnbe). A nota explicativa do livro chama a atenção para o período em que a história foi escrita, alertando sobre a proibição da caça às onças em território brasileiro, porém, ignora o fato de sempre associar a cor preta às coisas ruins. 
 
“Em 1934, período em que o livro foi escrito, a educação pública tinha como base a eugenia, que buscava o embranquecimento e fortalecia a ideia de uma raça superior à outra. A partir de 1988, quando o racismo passou a ser criminalizado, o preconceito e a discriminação não podem ser utilizados no Pnbe e, a partir de 1996, passa a vigorar a Lei 10.639, que obriga o ensino sobre a história e cultura afrobrasileira”, contextualiza o estudioso. Diante desse contexto, acrescenta ele, ficam claras as intervenções que inferiorizam o povo negro.
 
Sobre o pedido de auditoria operacional no Programa Brasil Quilombola, Antonio Gomes informou que o Tribunal de Contas da União (TCU) detectou a má gerência do projeto desde sua elaboração.

“Os problemas encontrados no Programa são consequências do racismo institucional e cultural enraizado na sociedade brasileira. O capitalismo tem vários interesses que não são os nossos”, conclui.
 
Tradição e descendência

Em estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, elaborado em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o risco de um jovem negro ser assassinado no Brasil é 2,5 vezes maior que a possibilidade de um jovem branco ser vítima de homicídio.

A partir de dados como o do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014, Makota Celinha, praticante de religião de matriz africana, expôs sobre o extermínio da juventude negra e as agressões aos terreiros. Para a religiosa, “ser preto nesse país ainda é um capital de risco na bolsa de valores da vida”, uma vez que a todo instante os jovens negros são perseguidos pelo ódio à cor, ao gênero e à origem social.
 
Em entrevista à TV Bancários, Makota Celinha ressaltou a utópica laicidade do Estado enquanto são registrados dezenas de atos de violência contra os terreiros de candomblé e umbanda pelo país. “Nós ainda convivemos de forma guetizada e o Estado brasileiro ainda é um dos maiores propulsores dessa intolerância quando não nos reconhece como espaço de saber, enquanto espaço de fazer social. Sobrevivemos da resistência”, declarou.
 
Escravidão negra investigada
 
O presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Humberto Adami, repassou aos presentes os informes sobre a investigação da escravidão no país, destacando a presença das comissões estaduais em 14 seccionais da OAB.
 
O relatório parcial das atividades da Comissão Nacional, da qual o presidente do Sindicato faz parte, será apresentado no dia 2 de dezembro, enquanto o relatório final ficará para dezembro de 2016.
 
Empossada na quinta-feira (26), a presidenta da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB-DF, Lucélia Aguiar, destaca a presença de diversos profissionais para investigar os indícios de casarões e fazendas que contavam com o trabalho do escravo negro. “Além dos advogados, a Comissão conta com o auxílio de historiadores e da própria população do DF para identificar esses locais. Já temos indicativos de que em Planaltina e em algumas cidades do entorno haviam negros trabalhando como escravos”, afirma.
 
Música negra

O debate foi encerrado ao som de muito rap, com a apresentação dos grupos Sobreviventes de Rua, Dom Secreto & TriMáfia. 

Joanna Alves
Colaboração para o Seeb Brasília


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