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29 de Agosto de 2016 às 13:48

Debates abordam violência moral e regulação do trabalho Público

Lógica pós-fordista destrói o coletivo de trabalho e o senso de solidariedade


Crédito: Divulgação

O IV Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde, realizado na semana passada, em São Paulo, abordou dois temas: “Organização, gestão do trabalho e violência moral” e “O capitalismo contemporâneo e seus impactos na ampliação da desigualdade e da regulação social do trabalho”.

O professor da Unicamp, Roberto Heloani, iniciou o debate sobre violência moral, fazendo um panorama sobre a organização do trabalho. “A flexibilização das relações de trabalho, a partir dos anos 1980 com o neoliberalismo nos países de capitalismo central, que chamo de neoconservadorismo, chegou ao Brasil na década de 90”, explicou.

Esse processo é naturalizado, e os direitos são rasgados. “Isso é flexibilizar nossas mentes”, completa Heloani. Vende-se a ilusão de que a classe trabalhadora irá ascender à classe média e se manipula a subjetividade das pessoas. A lógica pós-fordista destrói o coletivo de trabalho e o senso de solidariedade.

Já o procurador do trabalho, Leonardo Osório Mendonça, destacou que o trabalhador tem direito às condições adequadas de saúde e segurança, mas infelizmente as pessoas não têm o mesmo valor aos olhos da sociedade.

Assédio Moral

Alex Ricardo, da Confederação Nacional dos Químicos, falou sobre assédio moral a partir das experiências que chegam aos sindicatos. “Se eu sou cobrado, vou cobrar o outro. Quando as metas do companheiro afetam o global, essa pessoa deixa de ter a aceitação dos outros e fica isolada. Ela só vê o sindicato como última ferramenta. Procura o sindicato com desconfiança, pois já não confia nem em si mesma”, afirmou.

Para a socióloga da Costa Rica, Xinia Quesada, a situação de assédio moral é insuportável para a vítima. Há pressão dos colegas do mesmo nível para que deixem a organização. Muitas vezes os efeitos atingem à saúde física e mental do trabalhador, que passa a sofrer com dores de cabeça, úlcera, ansiedade, angústia, depressão. “É um processo de violência e agressão que leva a enfermidades”, avaliou.

Não é só nas organizações privadas que ocorrem violência moral. Heloani apontou que o assédio no serviço público está cada vez mais parecido com o que ocorre na empresa privada, pois ele tem aplicado a mesma forma de organização do trabalho do privado. “O assédio moral não é uma questão individual, não é um problema das pessoas. Esse discurso é para isentar a organização”, defendeu.

Já a jurista cubana Lydia Ramirez explicou quando a discriminação no trabalho se traduz em um ato de violência. Isso ocorre quando há desigualdade de tratamento com a realização de atos discriminatórios que se caracterizam pela conduta assediadora. Ela também criticou a avaliação de desempenho, usada para dizer se um trabalhador é competente ou não.

O debate ainda contou com um representante mexicano, Elias Garcia Rosas, professor da Universidade Autônoma do Estado do México. Ele falou da necessidade de se criar um marco normativo específico sobre assédio moral no trabalho. A Lei Federal do Trabalho, reformada por decreto de 30 de novembro de 2012, flexibilizou o trabalho em seu país. “Nesta reforma se permite um contrato de aprendizagem. Se em 30 dias o trabalhador não justificar o seu trabalho, é demitido”, relatou.

A coordenadora da mesa, a médica Margarida Barreto, falou da disseminação da discussão sobre assédio moral na América Latina. A difusão foi feita a partir da Argentina, Cuba e Uruguai. Se por um lado foi possível difundir o tema aos países vizinhos do Brasil por meio de pesquisas e debates, por outro, é preciso enfrentar a ofensiva de supressão de direitos. “É mais do que necessário pensarmos em transformações radicais da nossa sociedade”, concluiu Margarida Barreto.

Desigualdade e regulação do trabalho

A segunda mesa foi coordenada pela desembargadora aposentada da Justiça do Trabalho e pesquisadora do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho) da Unicamp, Magda Biavaschi.

O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Denis Gimenez, destacou a crescente importância financeira no interior da grande empresa. A empresa americana vai pra fora, se internacionaliza, mas seus ganhos estão bastante voltados para sua operação financeira. Na nova governança corporativa, a gestão de recursos humanos é voltada para geração de caixa e resultados rápidos.

“Há o estabelecimento de uma nova concorrência que promove a brutal concentração de capital com deslocalização produtiva. Há uma nova distribuição espacial da produção e a formação de cadeias globais de valor”, explicou Gimenez.

O economista Carlos Silveira falou sobre a ampliação da desigualdade. “A crise do neoliberalismo em 2008 aumentou a concentração de renda”, afirma. No momento atual, percebe-se um crescimento da direita na França e a candidatura de uma figura como Donald Trump nos Estados Unidos.

Já o pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura (Cecon) da Unicamp, Guilherme Mello, apontou que na década de 1990 surge no Brasil outro formato de país, não nacionalista, que quer se integrar a nova ordem mundial. Esse projeto está sendo retomado em um cenário com queda na remuneração dos trabalhadores e a aposta de que retirando direitos trabalhistas você atrai o capital internacional para produzir em regime de semiescravidão.

“O setor privado precisa da dívida pública para se financiar, o que está em questão é o seu custo. A solução para nossas questões é enfrentar os nossos problemas macroeconômicos. Não há motivo nenhum para a nossa taxa de juros ser a maior do mundo. Hoje não existe projeto de construção nacional e sim projeto de acumulação de capital – vamos ter pouca renda e pouco crescimento”, avaliou Mello.

Para o juiz do Trabalho e professor da Faculdade de Direito da USP, Jorge Souto Maior, uma questão a ser considerada é que a lógica brasileira nunca deixou de ser escravista, ao ponto que o direito do trabalho, que é de certo modo liberal, é visto como ameaça. “Querem aumentar jornada de trabalho, diminuir horário de almoço. Nós temos nos contentado com migalhas para salvar o capitalismo. Não quero mais salvar o capitalismo. Estou disposto a denunciar as perversidades que ocorrem para que a classe trabalhadora saiba que tem poder nas mãos”, refletiu.

A desembargadora Magda Biavaschi também falou da possibilidade de retrocesso na regulação social do trabalho. Uma reação contra esse processo foi a criação em 2011 do Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, que vem atuando contra o projeto que pretende ampliar a terceirização. Outros retrocessos são a flexibilização do conceito de trabalho escravo e a prevalência do negociado sobre o legislado.

Biavaschi ainda chamou atenção ao fato que o Supremo Tribunal Federal – STF vai julgar a Súmula 331, que foi estabelecida pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST em 1993 e proíbe a terceirização na atividade fim. O julgamento será em sede de repercussão geral, ou seja, essa decisão vai ser obrigatória para todos os graus de jurisdição.

Vale lembra que a súmula é um enunciado que deve representar a posição majoritária da jurisprudência. Isso significa que quando determinado assunto está sempre sendo julgado de uma maneira, cria-se uma súmula que cristaliza uma orientação para os julgamentos dessa matéria.

“A Súmula 331 de certa forma legitima a terceirização porque ela proíbe a terceirização na atividade fim, que nós entendemos como as atividades permanentes ou essenciais, e permite nas atividades meio, que não são essenciais. Ela define a corresponsabilização solidária e não toca na representação sindical. Na época, a gente achou que foi um retrocesso em relação à Súmula 256 [de 1986 que coibia a terceirização]. Mas este limite não é mais tolerado pelas mesmas forças que exigiram o cancelamento da 256”, explicou Magda Biavaschi.

“Essas forças, como CNI e CNA, passaram a acionar o Supremo Tribunal Federal em recursos extraordinários se contrapondo às decisões do Tribunal Superior do Trabalho, que têm muitas delas , com força na 331, reconhecido, por exemplo, as empresas produtoras de energia como reais empregadoras. Em um recurso extraordinário desses, a empresa recorrente alega preliminarmente que o TST não tem legitimidade para estabelecer limites às formas de contratar, então, invoca em prefacial a inconstitucionalidade da Súmula 331 porque o TST estaria desrespeitando a Constituição Federal, extrapolando o direito e o princípio da livre iniciativa”, completa a desembargadora. Quando esse recurso é distribuído ao ministro Luiz Fux, ele propõe aos seus pares que isso seja julgado em sede de repercussão geral. “É muito perigosa essa iniciativa porque o STF poderá acolher a tese”, alertou Biavaschi.

O evento foi organizado pela Fundacentro, Abrat (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas), ALAL (Asociación Latinoamericana de Abogados Laboralistas), Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP e MPT (Ministério Público do Trabalho).

Fonte: Fudacentro


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