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9 de Dezembro de 2019 às 19:24

Atuação ilegal de policiais militares contra sem-terras na fazenda Surubim, no Pará


A Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicou no último dia (5) uma Nota de Repúdio à atuação violenta de policiais militares contra um grupo de trabalhadores no Pará. As imagens, referente às ações realizadas na segunda-feira (2), foram amplamente divulgadas nas redes sociais. Confira a nota:

Atuação ilegal de policiais militares contra sem-terras na fazenda Surubim, no Pará 

As entidades de Direitos Humanos que subscrevem essa nota vêm a público manifestar repúdio e preocupação em relação à ação de policiais da Patrulha Rural do 23º Batalhão de Polícia Militar, que abordou um grupo de 6 trabalhadores/as rurais, atirando com balas de borracha contra 2 deles, no interior da Fazenda Surubim, localizada no Município de Eldorado dos Carajás, Sudeste do Pará. O fato ocorreu na última segunda-feira (02), enquanto o grupo de trabalhadores retornava ao acampamento Osmir Venuto da Silva, após realizarem coleta de castanhas em áreas públicas da região. A ação foi registrada em vídeo (https://youtu.be/NnnsMTlg2bE) gravado com aparelho celular por um dos trabalhadores, comprovando as ilegalidades e abusos praticados pelos policiais.

Segundo relatos dos acampados esse não é o primeiro episódio de violência praticado contra os integrantes do acampamento, dos quais, inclusive crianças, já foram vítimas. As agressões praticadas por pistoleiros são constantes e se agravaram nos últimos anos, chegando ao assassinato do trabalhador rural Eudes Veloso Rodrigues*, morto durante uma ação de pistoleiros, em 2018. O integrante da Liga dos Camponeses Pobres, Denizart Alves de Souza, também foi alvo de atentado nessa mesma localidade, em 2017. Muito embora os casos tenham ganhado repercussão, não há notícias das investigações referentes aos crimes praticados pelas milícias que atuam na Fazenda, ou com relação aos mandantes.

A Fazenda Surubim, local dos atentados, é um latifúndio com mais 20 mil hectares construído a partir de processos de grilarem de terras públicas, trabalho escravo e assassinatos de trabalhadores/as rurais.

De acordo com registros da Comissão Pastoral da Terra, apenas nos anos de 1985 e 1986, 29 trabalhadores/as rurais foram brutalmente assassinados nessa área. Dentre os assassinatos, registra-se o massacre de 17 peões, vítimas de trabalho escravo, ocorrida no início do mês de junho de 1985. As execuções dos peões teriam sido praticadas pelo pistoleiro Sebastião da Teresona e seu grupo, para evitar o pagamento de direitos trabalhistas.

Também ocorreu nessa área o massacre de Leonice Resplandes e Francisco, seu esposo. Os dois eram posseiros da área conhecida como Poço Rico, fronteira com a Fazenda Surubim. Nesse caso, o grupo de pistoleiros de Sebastião da Teresona foi contratado para expulsar os posseiros da ocupação que o fazendeiro alegava pertencer à Fazenda Surubim. No dia 23 de maio de 1985, 3 pistoleiros chegaram ao lote de Francisco e encontraram apenas Leonilde em casa. A menor foi violentada sexualmente pelos pistoleiros. Ao chegar em casa Francisco foi surpreendido pelo grupo armado que atirou contra o posseiro e, na sequência, assassinaram Leonildes com tiros e golpes de facas. O posseiro Manoel, irmão de Francisco foi assassinado na noite desse mesmo dia. Todos os crimes permaneceram impunes, nem os pistoleiros e nem os proprietários da fazenda foram responsabilizados.

Atualmente a área é objeto de disputa judicial entre o pretenso proprietário Almikar Farid Yamim e as famílias do acampamento Osmir Venuto da Silva, vinculados à Liga dos Camponeses Pobres, os quais pleiteiam a área para criação de Projeto de Assentamento da Reforma Agrária. Na ação possessória que tramita junto à Vara Agrária de Marabá, considerando o fato de o grileiro ter apresentado georreferenciamento de apenas 13,5 mil hectares da Fazenda Surubim, o Juiz Amarildo Mazutti proferiu decisão excluindo cerca de 7 mil hectares não georreferenciados da reintegração de posse e possibilitando a realização de coleta de castanhas pelas famílias do acampamento; Ou seja, os coletores vítimas da abordagem policial estavam autorizados pelo Poder Judiciário a ingressar, coletar e retirar os frutos do local.

Importante ainda registrar que a Fazenda Surubim está localizada numa região conhecida como Polígono dos Castanhais, onde a coleta de castanhas-do-Pará é uma prática histórica de subsistências de centenas de agricultores e extrativistas. Ao longo dos anos, a maior parte das florestas dessas áreas foram ilegalmente apropriadas e transformadas em fazendas para criação de gado, por grileiros e latifundiários. Por outro lado, as atividades das famílias do acampamento que desenvolvem a coleta de castanhas como principal meio de subsistência, reafirma a importância das práticas extrativistas nas áreas remanescentes de castanhais.

Com relação à ação policial, a Polícia Militar do Pará informou em nota que os policiais foram acionados por representante da Fazenda Surubim para verificar ocorrência sobre furto e abate ilegal de gado na propriedade e, enquanto percorriam a área, se depararam com o grupo que apresentou resistência. Contudo, a declaração não faz referência a nenhum procedimento investigatório, ou ordem judicial que autorizasse a ação dos policiais. Além disso, não é exagero lembrar que a competência para investigação de fatos relacionados a conflitos no campo no estado do Pará, é atribuição da Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (DECA).

Considerando esses elementos, questiona-se: o que os policiais militares faziam no interior da Fazenda Surubim sem qualquer ordem ou mandado judicial? E, além disso, o que motivou os abusos praticados contra o grupo de trabalhadores rurais?

Na verdade, o recente aumento da violência praticada por policiais contra grupos minoritários no campo e nas periferias das cidades é um reflexo da postura ideológica do Governo Bolsonaro e seus aliados, que declaram guerra aos movimentos sociais e culturais, de expressão identitárias emancipadoras ou de reivindicação de direitos, sobretudo, aqueles que travam luta em torno do direito à terra. Esse cenário de violência se agrava a cada dia, em decorrência da forte repressão e inclinações fascistas do governo, compromissado política e economicamente com o capital nacional e internacional. No Pará, esse compromisso se reflete fortemente no apoio a latifundiários e grileiros de áreas públicas, que se sentem autorizados a agirem com violência, na certeza da impunidade.

No entanto, já não é possível convivermos com a incerteza e insegurança! Aos agentes policiais do estado cabe a defesa e garantia da segurança de TODOS os seus cidadãos e não o massacre de grupos vulneráveis taxados cotidianamente como bandidos, criminalizados e assassinados em decorrência de sua condição social.

Nesse sentido, exigimos do Governo do Estado do Pará, notadamente, da Secretaria de Segurança Pública a investigação isenta dos fatos ora denunciados, para impedir que esse tipo de arbitrariedade volte a acontecer, já que há fortes indícios de que agentes públicos têm funcionado como segurança privada daqueles que detém o poder econômico na região, especialmente por fazendeiros, grileiros de terras públicas que fazem uso de agentes da segurança pública do Estado como milícia particular.

Belém/Marabá, 05 de Dezembro de 2019

Assinam a nota:

Comissão Pastoral da Terra Regional Pará

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos

Comissão de Direitos Humanos da OAB/Xinguara

Comissão de Direitos Humanos da OAB/Pará

Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Núcleo Pará


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