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18 de Fevereiro de 2019 às 07:18

Aposentadoria: bancos querem se apropriar do dinheiro dos trabalhadores

Afirmação é do ex-ministro Ricardo Berzoini. Para ele, bancos estão de olho no grande volume de dinheiro movimentado pelo INSS


CUT Nacional

Pelo texto da proposta de reforma da Previdência que a  equipe econômica apresentou e Jair Bolsonaro (PSL) aprovou, nesta quinta-feira (14), a aposentadoria para o trabalhador e para a trabalhadora será um sonho impossível. O governo quer impor a obrigatoriedade de idade mínima para aposentadoria de 65 anos para os homens e 62 anos para as mulheres.

“É uma disputa política por dinheiro”, diz o ex-ministro da Previdência do governo do ex-presidente Lula, Ricardo Berzoini, sobre propostas como a capitalização da Previdência no Brasil.

Em entrevista a CUT-Brasília, Berzoini falou sobre o interesse dos bancos nos recursos do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e como a proposta de Bolsonaro prejudica os trabalhadores, em especial os mais pobres, mulheres e rurais.

Confira a íntegra da entrevista:

Qual é o verdadeiro interesse de Bolsonaro para fazer a reforma da Previdência?

Ricardo Berzoini: Quase sempre, em uma disputa política, tem dinheiro no meio e, nesse caso, significa se apropriar do recurso da Previdência Pública para o sistema financeiro ser o gestor e lucrar muito com isso. Quando falamos em R$ 650 bi por ano, significa uma massa de recursos que qualquer banqueiro queria ter sob o comando. É por isso que eles têm preocupação de privatizar a Caixa Federal e o Banco do Brasil – para ter acesso ao mercado e ganhar dinheiro. Nós queremos que o Brasil continue lutando para ser equilibrado e desenvolvido e que as pessoas possam ter uma vida digna e satisfatória. Estávamos nesse caminho nos últimos 14 anos, mas com o golpe voltou a prevalecer as vontades de banqueiros e empresários sobre a maioria do povo.

A reforma é uma disputa de dinheiro. Os grandes tubarões querem se apropriar do dinheiro do povo e se o povo não se defender, eles vão conseguir- Ricardo Berzoini


A proposta de obrigatoriedade de idade mínima para a aposentadoria é justa para o trabalhador?

Ricardo Berzoini: Não é justa porque os trabalhadores são muito diferentes. A realidade de um trabalhador em um ambiente fechado, protegido da poluição, das intemperes, é muito diferente do trabalhador rural ou da construção civil, lugares onde uma pessoa trabalha o tempo todo exposta a chuva, frio e calor. O fundamental é que tenhamos um tempo de contribuição sem idade mínima para que as pessoas possam saber quanto precisam contribuir para chegar ao benefício que é uma proteção social pública e não um plano de previdência privada.

O que significa privatizar a previdência, como quer o Bolsonaro com sua proposta de mudar o regime atual pela Capitalização da Previdência?

Ricardo Berzoini: Como eu já disse, a previdência movimenta hoje mais de R$ 600 bilhões por ano. Claro que bancos e seguradoras têm grande interesse de ter esse dinheiro sob sua gestão, para ganhar e lucrar com esse dinheiro. Aconteceu no Chile, na época da ditadura militar de Pinochet. O sistema que era parecido com o atual regime brasileiro foi transformado, por decreto, em um processo de acúmulo individual. Cada trabalhador contribui numa conta pessoal e essa conta vai capitalizando até a idade mínima para a aposentadoria. E lá no Chile o que aconteceu foi que a maioria dos trabalhadores não consegue ganhar sequer um salário mínimo chileno de benefício. Muitas dessas empresas, fundos que administravam a poupança dos trabalhadores, quebraram, tiveram a rentabilidade menor do que o previsto, ou seja, houve prejuízo enorme para os trabalhadores. O Estado tem dificuldade em fiscalizar esse processo, assim como os trabalhadores. Por isso é importante que permaneça nas mãos do Estado para que faça gestão e acompanhamento da situação dos trabalhadores, inclusive sobre o crivo do Congresso e da vigilância da opinião pública.

O atual regime brasileiro prevê duas formas de trabalhadores e trabalhadoras da iniciativa privada se aposentarem. Uma delas é por idade e exige 65 anos (homem) e 60 anos (mulher), além de 15 anos de contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A outra, é a aposentadoria por tempo de contribuição.

Existe alguma regra de transição para quem está prestes a se aposentar?

Ricardo Berzoini: Na proposta de Bolsonaro há uma regra de transição que acresce o tempo que falta para aposentar. Ou seja, é uma tese de tentar convencer as pessoas que a reforma não é tão ruim, que há uma regra de transição entre um sistema e outro. De qualquer maneira é um prejuízo para o trabalhador que já contribui com a expectativa de poder se aposentar. É um prejuízo porque ele vai ter que trabalhar mais tempo que esse tempo restante.


O Benefício de Prestação Continuada (BPC) concedido por idade será mantido com a reforma da Previdência?

Ricardo Berzoini: Alguns comentários do governo indicam que pode haver uma redução do valor, de um salário mínimo (R$ 998,00) para R$ 500,00. Então, o que é fundamental perceber é que esse é um benefício constitucional. É a proteção para pessoas em situação de pobreza ou de deficiência e reduzir de um salário para 500 reais significa tirar dos que mais precisam, em um país que não tributa dividendos, grandes fortunas e nem grandes heranças.

Militares políticos e servidores do alto escalão, como juízes e ministros do Supremo Tribunal Federal serão incluídos na reforma da Previdência?

Ricardo Berzoini: Na proposta do novo governo, dificilmente farão isso porque eles têm uma lógica de não ter qualquer contestação judicial da constitucionalidade de proposta de reforma. Portanto é muito provável que excluam as carreiras do poder judiciário e não só a cúpula, mas todos os magistrados, inclusive os detentores de cargos de ministros dos tribunais superiores.

Trabalhadores do campo, geralmente, começam a trabalhar muito cedo. Como fica a aposentadoria no caso dos trabalhadores rurais?

Ricardo Berzoini:  No caso dos rurais existe um regime chamado ‘segurados especiais’. A idade mínima é 60 anos para os homens e 55 para as mulheres. Como não há contribuição formal, ou seja, sobre a nota de comercialização da produção, não há uma verificação do tempo de contribuição, apenas de vínculo ao sistema. E há uma verificação se as certidões pedidas são autênticas, mas a idade mínima de 60 anos para homens e 55 para mulheres, prevalece hoje. Se houver a reforma, vai aumentar a idade mínima tanto para homens quanto para mulheres.

Com qual idade uma mulher que começou a trabalhar com 18 anos consegue se aposentar, caso a reforma da Previdência passe?

Ricardo Berzoini: Hoje, se aposentaria com 48 anos de idade, depois de 30 de contribuição. Essa é a previsão na constituição. O que eles [o governo de Bolsonaro] querem é que se aposente com 62 anos, ou seja, mais 14 anos de contribuição, o que é uma injustiça. Porque com 30 anos você já contribuiu o suficiente para ajudar a sustentar o sistema de previdência pública. É justo, correto e um benefício para as mulheres que contribuem de maneira diferenciada para o nosso país

Qual o risco para os municípios com a reforma da Previdência?

Ricardo Berzoini: Eles correm o risco de ficarem mais empobrecidos. Existem estudos, por exemplo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais, que faz anualmente uma compilação dos dados de quanto cada município recebia de benefícios previdenciários, de repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e de arrecadação própria. A imensa maioria recebia mais recursos de benefícios previdenciários do que de arrecadação própria, ou seja, a previdência também é um fator de irrigação da economia de todo o Brasil. Se você reduz esses instrumentos de distribuição de renda, gera mais pobreza no interior, mais migração para os grandes centros e maior dificuldade social. E nós não temos o sistema previdenciário tão gravemente desequilibrado que justifique a reforma. Seria muito mais prejuízo do que benefícios porque significa retirar renda de quem precisa de renda. Enquanto isso, o Brasil é um país em que os bilionários pagam muito menos impostos do que pagariam se morassem nos Estados Unidos, por exemplo. Temos muito a afazer no campo tributário para melhorar a situação financeira do país antes de sacrificar os mais pobres.


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