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12 de Dezembro de 2018 às 13:44

Após 50 anos do AI-5, Brasil pode voltar aos tempos sombrios da ditadura militar, diz historiadora

Para Maria Aparecida Aquino, regime de terror institucionalizado pelo AI-5 pode se repetir. Intelectuais, artistas e movimentos sociais fazem Ato em Defesa da Democracia


Reunião em que o general Costa e Silva anunciou a decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968

Nesta quinta-feira 13 de dezembro completa 50 anos a assinatura, pelo presidente general Artur da Costa e Silva, do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que levou ao extremo o autoritarismo da ditadura militar e institucionalizou a repressão política do regime implantado por um golpe em 1964. O AI-5 introduziu uma série de medidas de exceção, autorizando o presidente a fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares, intervir em Estados e municípios, suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por até dez anos e suspender a garantia do habeas corpus.

O Congresso Nacional foi fechado no mesmo dia da decretação do AI-5. Até o final de dezembro de 1968, 11 deputados federais foram cassados. A lista de cassações aumentou no mês de janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal.

Nos dez anos em que vigorou, de acordo com o relatório final da Comissão Nacional de Verdade, 434 pessoas morreram ou desapareceram nas mãos do Estado. Publicado em dezembro de 2014, o relatório da comissão responsabilizou 377 agentes do Estado por graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1988

Para a professora de História Contemporânea da USP, Maria Aparecida de Aquino, o autoritarismo, a censura, as torturas, mortes e arbítrios registrados durante a ditadura militar, que foram institucionalizados com o AI-5, podem voltar.

Segundo ela, o período de terror que marcou o regime  militar pode voltar se o presidente eleito, o capitão reformado, Jair Bolsonaro (PSL), cumprir o que disse em  discursos e entrevistas, quando deu declarações como ‘matar uns 30 mil’ ou que os caminhos para a oposição em seu governo seriam ‘a cadeia ou o exílio’, entre outros ataques à democracia e aos direitos civis e humanos.

“Estamos vivendo numa espiral conservadora, autoritária e discricionária que ainda vai piorar. Quem vai sofrer mais são os pobres e a classe média”.- Maria Aparecida de Aquino

“Os ricos continuarão ricos porque desde o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, apoiado por boa parte da população, Michel Temer fez coisas que nem os militares tiveram coragem de fazer, que foi mexer nas conquistas dos trabalhadores, na CLT”, afirma a professora.

O presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, complementa alertando que, historicamente, as organizações de trabalhadores são as primeiras vítimas dos regimes autoritários e de decretos como o AI-5, que institucionalizou a ditadura militar no Brasil.

"Sabemos disso porque foram muitos os trabalhadores e as trabalhadoras que sofreram com a repressão, inclusive, pagando com a própria vida por terem lutado contra a ditadura".

Por isso, segundo Vagner, uma das lutas fundamentais no próximo período é garantir o direito à livre organização sindical como forma de assegurar o exercício da cidadania e a defesa da democracia plena.

Não existe democracia forte sem organizações representativas da classe trabalhadora- Vagner Freitas

Futuro sombrio

A professora Maria de Aquino afirma que não tem dúvidas de que o futuro próximo será sombrio. De acordo com ela, é o que indicam as ameaças de Bolsonaro aos ativistas e opositores e a atuação do Judiciário, que deu sustentação ao golpe. Os golpistas usurparam o cargo de uma presidenta legitimamente eleita, tiraram os direitos da classe trabalhadora, destruíram o estado de direito, enquanto as garantias das liberdades individuais eram atacadas pelos juízes e procuradores que comandam a Operação Lava Jato e condenaram o ex-presidente Lula  sem crime, sem provas.

“Estamos observando assustados toda a destruição das leis pela Lava Jato, que levou coercitivamente um ex-presidente [Lula] a depor sem provas, que divulgou escutas não autorizadas de uma presidenta ainda no poder, rompendo com o estado de direito”, lembra Aquino.

A historiadora explica, ainda, que uma das coisas terríveis que o AI-5 fez e que pode se repetir com o novo governo foi a proibição da concessão do habeas corpus (HC) por “crimes” de motivação política, “um dos pilares da democracia em todo o mundo”.

“O HC é o direito ao corpo, à liberdade, é o direito que a pessoa tem de ser vista pelos familiares e advogados. Esse impedimento é de uma gravidade imensurável”, diz a professora, que complementa: “infelizmente, podemos repetir esse triste momento da história porque estamos assistindo a um longo processo de golpe, que se iniciou com o impeachment de Dilma, e agora se consolida com a ascensão pelo voto de um governo autoritário”.

“É outro tipo de golpe que se traveste de legalidade e que será difícil de atacar porque foi eleito. Mas nunca será tarde demais para a população perceber porque, repito, os pobres e a classe média são os quem sofrerão as consequências”.

Ato em defesa da democracia

Em São Paulo, será realizado ato nesta quinta 13, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, no qual intelectuais, artistas e lideranças políticas, sindicais e populares lançarão um manifesto em defesa da democracia.

No documento, eles afirmam que o decreto ditatorial “marcou o estabelecimento de um regime de terror de Estado” e reforçam “a importância da manutenção dos princípios consagrados na Constituição de 1988”.

Para o presidente da CUT, Vagner Freitas, que assina o manifesto, o atual momento político e social, em que o discurso autoritário e de intolerância tem ganhado espaço no mundo, inclusive com vitórias eleitorais, como no Brasil, "nada mais oportuno do que a sociedade civil, os movimentos sociais, populares, partidos e personalidades se juntem em uma grande frente para defender a democracia e o irrestrito direito de organização, manifestação e defesa dos direitos coletivos e individuais".

Ministros de todos os governos democráticos, de Sarney a Dilma, estão entre os subscritores iniciais do texto, ao lado de líderes religiosos, cientistas, juristas, advogados, poetas, ativistas do movimento negro, escritores, economistas, feministas, cineastas, sindicalistas, músicos, artistas plásticos, atores, arquitetos, jornalistas, sociólogos, ambientalistas, médicos, engenheiros, antropólogos, militantes LGBT, filósofos, encenadores, historiadores, psicanalistas, militantes de direitos humanos, empresários, estudantes, professores, fotógrafos, diplomatas, cidadãos e cidadãs brasileiras.

Entre as personalidades que assinam o manifesto estão o ex-ministro da Justiça Celso Amorim; a historiadora Maria Victoria Benevides; o fotógrafo Sebastião Salgado; os cantores Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Gilberto Gil; os atores Wagner Moura e Sônia Braga; o ex-jogador e comentarista Walter Casagrande Jr.; o cientista Miguel Nicolelis; entre outros intelectuais, artistas e lideranças.

O manifesto é assinado, até o momento, por mais de 500 pessoas. Para assinar o documento em Defesa da Democracia clique aqui.


Fonte: Fetec-CUT/CN, com CUT Nacional



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